Começando pela captação das telas. Surgiu uma parceria com uma professora de arte terapia que cedeu várias telas de seus ex-alunos os quais haviam jogado-as no lixo. Primeira reflexão é de que os próprios artistas e seus familiares não valorizam a Arte (nem mesmo a sua própria). Para além disso, em respeito ao trabalho da professora e as artes que ali estavam e que seriam "apagadas", registrei em foto todos os quadros.
A ideia do título da mostra, conectada à sua cronogênese é O QUE EU ERA, QUEM SOU EU. Nesse momento, a pintura para mim é um exercício de autoconhecimento e com esse título, o objetivo de pensar meu processo na pintura, se respalda na forma animada dos quadros de conversarem com o expectador. Como se eles/elas (telas) pudessem contar um pouco de sua história. Ora, se foram descartados, estavam mortos os quadros? A arte quando é esquecida, morre? Talvez não estivesse morta a Arte em si, mas sua potência de reverberação sim. Agora, em um tipo de reencarnação, eles revivem e falam através dos novos resultados pictóricos propostos por mim. Assim como, os textos que acompanharão cada obra dizem sobre meu próprio renascimento.
Pois bem, obra #1/27: "Vestígios"
Descrição técnica da pintura (COMO EU ERA): a tela estava pintada com uma árvore. Uma macieira. Dois planos gráficos. O chão e o céu. Algumas texturas foram acrescentadas ao trabalho: algodão, palha de aço, alecrim, penas artificiais, linhas de lã, folhas secas, um pedaço de durex, café ou outro grão marrom escuro, gotas de cola quente e/ou tinta aglutinada.
QUEM EU SOU HOJE: O processo de transformação foi rápido, simples e direto. Tentou-se remover as texturas, mas parte delas permaneceu na tela. Alguns aspectos da minha personalidade não são removíveis. Atrelados ao presente, estão coisas do passado. Cheguei à atual situação sem saber que seria manipulada de tal forma. O ambiente me moldou com o tempo. Fiquei jogada em um canto. Esquecida mas ainda firme em minhas raízes e tranquila com a leveza de meus pensamentos viajados (algodões). Agora estou trilhando um novo caminho, com um novo olhar sobre o mundo. Vejo tudo com mais dificuldade. Já não tenho mais o azul do céu. Estou envelhecendo envolta em uma grande camada escurecida, mas potencialmente reflexiva. Gosto de me ver de forma diferente. Gosto de saber se sou querida por alguém. Acredito na força da vida! Não acho que só de dias felizes nos constituímos. Posso afirmar que fui metamorfoseada. Mas não posso garantir por quanto tempo estarei aqui para me mostrar aos outros. Para garantir que eu seja notada. Se alguém prefere minha versão antiga, tudo bem. Entendo seus motivos. Já se gostarão ou não, de me ver e me aceitar como sou hoje, deixo para os críticos de arte o fazerem.
Depoimento da tela 1/27: Foi tão desesperador! Ao ser retirada do limbo, pude vislumbrar uma faixa de luz ao fim da pincelada! Já não tenho mais planos para me dividir! Sou inteira!