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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

ana reis e 300 dpi


glitch















Ana Reis em performance de “365t x 300dpi: 99cm”. Podemos ver no fundo as imagens de 22 x 30cm expostas na galeria ido finotti







§ Ficha técnica.

Título: “365t x 300dpi: 99cm”
Autora: Ana Reis Nascimento
Data: 2007
Técnica: Scanneamento do corpo com objetos
Dimensões: 44 imagens impressas de 22x30cm e uma imagem de 70x96cm

§ Comentário crítico sobre a obra.

O resultado final da experiência de Ana Reis do Nascimento são imagens múltiplas, em primeiro lugar. Não é proposta da autora se resguardar em idéias fechadas e unívocas. Pelo contrário, a artista mostra ao espectador o caminho através do qual se pode produzir um amplo repertório de imagens utilizando nada menos que seu corpo, alguns objetos e a ferramenta tecnológica para tal reprodução visual (scanner). Na abertura da exposição Ana Reis faz uma performance de duração de 30 minutos na qual debruça seu corpo nu junto à objetos de utilização cotidiana sob um scanner deixando-se estendida por aproximadamente 5 minutos para que a máquina faça o registro de cada imagem. A apresentação foi realizada e posterior a vernissage ficaram expostas 44 imagens de 22 x 30cm dispostas não-linearmente e uma maior de 70 x 96cm.
As cenas de “365t x 300dpi: 99cm” são compostas de partes do corpo fragmentadas, amassadas, torcidas, pressionadas; a luz é a própria luz do scanner, às vezes muito forte, superexposta ou às vezes uma luz que leva ao escuro; a artista utiliza também programas de edição de imagem para modificar colorações e tons. Objetos de uso cotidiano são agregados ao trabalho interferindo diretamente na pele, nos volumes corporais, e na luz de maneira que parecem fazer certa pressão sob o corpo da autora-sujeito-personagem. A escolha dos materiais utilizados pela artista nos indaga com relação às questões do universo feminino, às questões de gênero e sobre a significação atribuída a cada item visualmente interpretado. A meu ver é importante ressaltar que, em sua maioria, estes objetos são de uso doméstico mais especificadamente da cozinha doméstica. Copos, garfos, facas, bule, xícara, ralador, tampa de panela entre outros que encontramos facilmente no dia-a-dia são objetos escolhidos. Em função da amplitude de possibilidades de objetos veiculados no mundo consumista no qual vivemos, temos vezes apropriações de finalidade existencial e cultural e vezes apropriações fenomenológicas e estéticas em sua prioridade. Pensando que a artista opta por determinados objetos poderemos nos perguntar o que a artista sugere com tal proposta visual?
Recorrendo ao crítico de arte italiano Umberto Eco, concordo com sua abordagem no texto “Obra Aberta” que data dos anos 70 quando coloca em debate a experiência da fruição e aponta suas multiplicidades interpretativas a partir de metáforas e ambigüidades do discurso poético. Os estudos aprofundados do autor nos ajudam a compreender que a imagem é apresentada ao espectador através de signos, símbolos e ícones e a partir destes surgem as relações interpretativas. Por um lado, seguem a lógica da linguagem da própria forma e por outro, a bagagem visual e intelectual do fruidor:
“Aqui a obra é “aberta” como é “aberto” um debate: a solução é esperada e auspiciada, mas deve brotar da ajuda consciente do público. A abertura faz-se instrumento de pedagogia revolucionária.” (ECO, 1976, p. 50)

As novas mídias são presentes cada vez mais nos trabalhos de arte contemporânea de modo que vídeo, instalação, objeto, performance, body-art, fotografia permeiam processos criativos em consonância e mutualidade. Percebo que, em sua maioria, os artistas contemporâneos sentem certa dificuldade em se prender em experimentações não-interdisciplinares e estáticas. A dinâmica do processo criativo leva-os ao hibridismo técnico, este que vem a contribuir e problematizar todos os aspectos visuais da obra de arte. Tais produções que encontramos nas exposições da atualidade têm referência direta dos artistas nomeados contemporâneos que, a partir dos anos 60, inventaram estéticas próprias e particulares não se vinculando assiduamente a movimentos estéticos em conjunto como faziam os artitas dos ismos da Arte Moderna; hoje encontramos trabalhos que agregam novos elementos da tecnologia pertencente ao tempo efêmero e descartável do século XXI.
Ana Reis fala da efemeridade da construção da imagem, no que diz respeito ao registro da imagem capturada pelo scanner assim como se o mesmo funcionasse como uma máquina fotográfica. São mantidas as características de uma imagem scanneada; desde o tempo, a luz, os pixels, o formato do arquivo/resultado (JPG) até os possíveis erros no processamento da imagem, que pode também nos lembrar a contemporânea produção da Glitch Art[1]. Mas a função primordial do scanner, de reproduzir digitalizando fielmente documentos, fotos entre outros de configuração bidimensional, se perde quando se faz agora a digitalização de algo tridimensional (o corpo e objetos), e que justamente por isso, desemboca em novas formas de representação da imagem. Além da liberdade de criação imagética os artistas contemporâneos hoje desfrutam de uma nova liberdade técnica, o que contribui de maneira considerável nas produções das artes visuais.

§ Referências bibliográficas e eletrônicas.
ECO, Umberto. Obra aberta – Forma e interminação nas poéticas contemporâneas. 2ª ed.São Paulo: Perspectiva S.A., 1976.

http://www.flickr.com/groups/glitches/pool/
[1] O termo designa obras audiovisuais alteradas em seu código-fonte (conjunto de letras e números que fazem o software rodar) e pode ser encontrado também como Arte do Tilt. Não vale, portanto, distorcer a imagem em programas como Photoshop. As obras são frutos de erros de programação aleatórios ou forçados.