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sexta-feira, 7 de agosto de 2009
INTERTERRITORIALIDADE
Quase todos nos interessamos por tudo aquilo que não é nosso, por aquilo que não somos, por aquilo que não temos, que não tocamos, às vezes por aquilo que não entendemos ou nem mesmo sabemos. Nem sempre sabemos aquilo que queremos e ainda assim queremos. Nos interessamos pelo Outro porque no fundo cremos que só será no Outro que poderemos nos encontrar e o outro está sempre muito perto, logo ali onde nós terminamos.
Nossa pratica artística e nosso cotidiano, divididos a 15 anos, se desenvolve neste exato território entre Cada Um e o Outro – o desconhecido território do desejo e do medo, do mundo à navegar, à descobrir. Talvez por isso nos interessemos igualmente pelo documentário e pela ficção.
Toda imagem, em sua base, não pertence ao território do Documentário nem ao da Ficção. O que a fará pertencer a um ou outro território será a literatura que nela se apoiará, seja ela de ordem real ou fictícia. Toda imagem pode conter uma informação literária e servir de construção para uma mensagem. Ela independe à verdade, à mentira, à realidade e à representação para ser inteligível, para existir. Não há portanto nada de tão preciso, definido, que diferencie estes dois territórios, o da ficção e o do documentário, na base da criação de uma imagem. Toda imagem é portanto per se algo interterritorial.
E é justamente nesta interterritorialidade, neste espaço indefinido mas existente entre dois territórios distintos, que se torna possível criar um campo erótico-poético onde ação e representação, bem como interação ou intervenção, se misturam, produzindo assim uma certa libertação das categorias artísticas estabelecidas no modernismo e possibilitando novas experiências, novas práticas artísticas.
No trabalho com vídeo e filme, por exemplo, a construção de seqüências de imagem em movimento pode estabelecer diferentes e múltiplas percepções do tempo e do espaço, seja ele real ou imaginário, pouco importa. A mesma situação, a mesma cena, seja ela de ordem documentaria ou fictícia, se filmada por diversas câmeras ao mesmo tempo, a partir de diversos pontos de vista, poderá assim produzir uma seqüência de imagens de caráter múltiplo, complexo e assim reconstituir o princípio de “multiplicidade”, largamente aplicado na física, também na prática artística. Esta mesma multiplicidade de imagens de uma mesma situação pode subverter o próprio discurso do “real”.
Da mesma forma que o uso de mais de uma câmera pode diversificar os pontos de vista sobre um contexto, o uso de mais de uma intenção, mais de uma percepção, mais de uma voz criativa, pode também diversificar a ação e a representação na experiência prática da arte. Aí baseamos a possibilidade de uma arte dialógica, tão interessada na interação com quanto na representação da realidade.
Trabalhamos em projetos de arte tanto em espaço público como em eventos artísticos. As questões abordadas num projeto participativo desenvolvido na rua, numa favela ou ainda num centro de refugiados políticos são naturalmente diferentes das abordadas num projeto desenvolvido num museu ou numa bienal. Consideramos importante operar em ambos os territórios e sempre que possível conectá-los, desafiando seus próprios limites e objetivos primeiros. As reflexões e diálogos desenvolvidos em cada experiência artística, se expandidos para além dos territórios e fronteiras de sua realidade e de sua representação, permitem a expansão da percepção e consequentemente, da arte contemporânea e da própria realidade.
Toda prática artística é em si um exercício de alteridade. O que diferencia a arte das outras formas de alteridade é que ela se utiliza do território da representação para sua inserção no mundo. Mas a representação, se vista com uma possível ressonância, é também uma mera ferramenta da alteridade. Hoje, mais que nunca, arte é não saber o que dizer, mas é saber onde fazê-lo ser dito.