Claudio Strinati, historiador e crítico italiano, entrevista para a revista Carta Capital, Ago/2014.
Faço aqui algumas pontuações do que achei bastante interessante na fala do crítico:
De fato, existem no mundo da cultura pessoas que consideram a arte contemporânea como mera especulação, mas eu não tenho a mesma opinião, por um motivo bem preciso: porque acredito que a arte contemporânea não existe e não existe uma única definição dela. Arte contemporânea é, por princípio, aquela que se faz no nosso tempo. Essa arte tem de tudo: tem o nada, mas também existem manifestações de grande qualidade – no cinema, no teatro, na música, que até prova em contrário também são artes. Não podemos medir tudo pela mesma bitola. Não concordo com a condenação indiscriminada da arte do nosso tempo.
Se você se refere ao fato de que hoje, no campo das artes figurativas, se produz uma quantidade inacreditável de coisas feias e molestas, eu concordo. Mas isso é ligado a uma produção muito mais ampla em relação ao passado. Nos séculos anteriores, a produção artística era quase exclusivamente europeia, e a profissão de artista plástico era exercida por poucos milhares de pessoas, entre os quais os grandes mestres eram minoria. Hoje no mundo existem milhões de artistas figurativos. Quando o número de artistas era menor, os péssimos se notavam menos... Na imensa quantidade de trabalhos dos nossos dias, orientar-se é mais difícil. Existe enorme quantidade de material considerado artístico que não é válido e não pode ser definido como arte contemporânea.
Arte plástica é visão, e o homem vive de experiências estéticas, mas hoje vivemos em um mundo onde essas experiências são contínuas e frenéticas, através de imagens de alta qualidade transmitidas por tevê, cinema, fotos, vídeos e até vitrines de loja. Antigamente, ao contrário, a experiência de visão da humanidade era só a arte figurativa: quadros e esculturas nas igrejas e nos palácios ou nos raros museus. Essas obras continuam sendo produzidas, mas são relativizadas pelas experiências estéticas do outro tipo. Nos dias de hoje, o artista oferece a “tradicional” obra plástica que chega ao usufruidor no final de um processo que lhe é estranho. Pensamos no desenfreado interesse pelo futebol: a visão de uma partida tem valor estético maravilhoso, e o espectador de tevê vive uma experiência envolvente e fascinante. Por outro lado, percorrendo uma exposição de arte contemporânea, o visitante não tem tempo para aprofundar o conhecimento da história nem o processo criativo do artista, bombardeado como é por mensagens estéticas muito mais intensas e diretas. Então, é comum considerar aquela “arte” como um imbróglio.
Você se refere a um fenômeno que sempre aconteceu na história da arte, mas só os especialistas sabem disso. Por exemplo, Mr. Saatchi (homem de negócios e colecionador britânico) está para Damien Hirst (aquele que vende prateleiras com pílulas) exatamente como Lorenzo di Pierfrancesco de’ Medici estava para Botticelli no século XV. O grande mecenas projeta em um artista seu próprio pensamento e suas próprias aspirações; sustenta-o, faz aumentar seus preços e o indica à sociedade como um modelo de referência, quando, na realidade, o modelo de referência é ele mesmo, o mecenas. A objeção poderia ser: mas Botticelli era um grande artista e Damien Hirst, não. Posso concordar, mas atenção: também no tempo de Botticelli muitos diziam que o autor da Primavera estava na primeira linha só por ser amigo dos Medici, que muito melhor do que ele era Perugino, por exemplo. Na arte, sempre existiu o sistema da amizade ou recomendação. Quando Enrico Scrovegni, o banqueiro paduano, decidiu pintar sua capela e a encomendou a Giotto, ele era o mecenas mais influente da sua época, o Saatchi dos anos 1300. Claro que Giotto era o maior pintor do século, mas é verdade também que foi imposto pelo seu patrocinador, que com seu dinheiro inflou muito o valor de suas obras.
Você quer me dizer que Damien Hirst é uma porcaria. Feitos os esclarecimentos acima, eu não tenho nenhuma dificuldade em concordar e afirmar que ele não é um grande artista, mas com isso não demonstramos nada, porque sempre vão existir outros com opiniões diferentes da nossa. O juízo sobre a obra de arte é muito difícil: o que hoje pode parecer banal poderá, dentro de 500 anos, parecer interessante, e vice-versa. De qualquer forma, o Hirst conseguiu um objetivo: estamos falando dele. No mundo de hoje, como no passado, isso é fundamental.
Posso dizer que Caravaggio dedicou muito tempo à sua promoção e era apoiado por um dos maiores patrocinadores de seu tempo: o mais rico banqueiro europeu dos anos 1600, Orazio Costa. Então, as diferenças entre passado e presente são relativas. O artista e escritor flamengo Karel van Mander, que em 1603 resolveu tentar a sorte em Roma, foi testemunha dessa realidade. Ele conheceu Caravaggio no auge da fama e escreveu sobre ele nos seguintes termos: “Personagem único no mundo, louco sem critério, mas verdadeiro prodígio na sua arte. Usa um método curioso: quando pinta se fecha no atelier, não come, não bebe, mas, acabada a obra, passa meses sem fazer nada, passeia pela cidade e encontra amigos”. Portanto, digo eu, Caravaggio dedicava muito tempo à sua promoção. Obviamente, não podemos comparar Caravaggio a Damien Hirst: o primeiro era um titã como artista, o segundo é medíocre. Mas: ambos chamaram muita atenção dos contemporâneos e foram muito malfalados por eles em termos artísticos. Hoje ninguém pode afirmar que Caravaggio não é um grandíssimo artista, mas só a história, com a prudente sedimentação da consciência crítica, confirmou esse julgamento. Por princípio, devemos afirmar que o ser humano tem inteligência e deve julgar. Então, esses raciocínios devem produzir uma lição: não devemos renunciar a expressar nossa avaliação sobre arte. Se consideramos que a maior parte da arte plástica da nossa época é um imbróglio, é justo pensá-lo e dizê-lo. Ao mesmo tempo, eu preciso ser prudente e não me arriscar a dizer que aquilo de que eu não gosto não é arte, porque a história poderá me desmentir clamorosamente.
Eu também acho que a autêntica guia da verdadeira arte é a emoção pessoal, acompanhada da confiança nos próprios sentimentos, sem preconceitos. A espontaneidade tem de ser também educada através da cultura, que se acumula com o tempo, como aconteceu com você adulto ante o Davi. Às vezes, o ser humano parte de posições preconceituosas e acha que em determinadas situações não é possível provar emoções. Como no amor: há pessoas que não amam facilmente, não porque não encontram pessoas para amar, mas porque fazem resistência dentro de si. Não se abandonam ao sentimento. Mas, se conseguem fazê-lo, depois descobrem que a própria capacidade de amar pode ser estendida até a pessoas que achavam não merecer. Arte é a mesma coisa. Cuidamos das nossas emoções, esta é a lição. Entre as grandes virtudes do ser humano, há a espontaneidade, a sinceridade, a honestidade, que a arte pode exaltar.
O único consolo nessa situação é que, tanto na bolsa quanto na arte, quando os valores crescem de maneira hiperbólica, com certeza eles estão inflados e provavelmente cairão. Em geral, é inevitável que a arte chegue a valores muito elevados, porque tende historicamente a ser inflada. Também um quadro de Caravaggio custava uma fortuna e sabemos, por documentos históricos, que as obras de outros bons pintores da época, como Baglione ou Pomarancio, custavam dez vezes menos. As cotações de Caravaggio oscilaram muito nos séculos, confirmando que é difícil dar um valor absoluto à arte. O valor financeiro da arte é ligado a múltiplos parâmetros subjetivos e às épocas. Entendo a indignação, porque certos excessos são deploráveis, mas, infelizmente, cabem na realidade do nosso tempo.
Continuo completamente de acordo com Jean Clair. A degradação da dimensão técnica é culpa grave de muitos artistas. Seja qual for a forma de arte, não é possível prescindir de formação e de atitude técnica. É verdade que alguns personagens subiram na escala do sucesso artístico sem ter essa capacidade, mas acho que um dia desaparecerão. Arte é saber e fabricação.
Eu não tenho receitas, mas acredito que a única saída seja a educação, a valorização das escolas. Em muitos países, graças à supremacia ideológica da tecnologia, essa possível solução é depreciada, infelizmente. A formação permite também à nossa mente exercitar-se de maneira livre, honesta e sincera. Este é o papel das escolas e dos centros de formação. A fórmula pode ser: valorizar a formação e os estudos – e a arte será mais apreciável.
O papa tem toda razão. Se é o valor material de uma obra que deve ser valorizado acima de tudo, não se vê mais a arte, porque o dinheiro gera cegos. Efetivamente, o demônio é aquele que esconde a verdade. A fé, a arte, a cultura nos fazem ver. Seguir a lição de Francisco faria muito bem a todos.