Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Underg%C3%A5ngens_arkitektur
Nos minutos iniciais do filme, é apresentada a missão assumida pelos nazistas de "purificar" a terra alemã dos males que a assolavam, definindo aquilo que os nazistas chamaram de "corpo do povo da Alemanha". Com esse discurso, os nazistas passaram a perseguir diversos grupos da sociedade, principalmente as pessoas com deficiências e os judeus, tratando-os como se fossem bactérias ouvírus,quando o documentário exibe os guetos poloneses - um verdadeiro câncerque se difundia pelo mundo a ser contido e removido da sociedade alemã. Amedicina alemã deveria trabalhar em prol desse corpo do povo, e não em prol do indivíduo, e nesse sentido diversos médicos acabaram se tornando filiados ao Partido Nacional Socialista Alemão a fim de conseguirem subir na carreira. Contudo, esse discurso “higienista” acaba sendo incorporado a uma questão de ordem estética, fundindo de certa maneira padrões de beleza (a “grande arte” idealizada por Hitler, que via na Antigüidade Clássica especialmente a fusão das paixões de Esparta, Atenas e Roma bem como na obra de Richard Wagner o ápice da manifestação artística humana; sendo bastante influenciado pelo romantismo alemão da segunda metade do século XIX) com questões de ordem médica. Como exemplo disso, temos o rebaixamento da arte moderna, dentro da lógica totalitária nazista, para uma chamada "arte degenerada". Hitler chega até mesmo a elaborar duas exposições de arte, uma divulgando a "arte sadia", condizente com suas concepções estéticas da raça ariana, e outra exposição, desta vez da "arte degenerada", mostrando ao povo alemão como era a arte que eles não deveriam apreciar. Chegou-se ao ponto de comparar diversas obras modernistas com fotos de casos de deformação congênita, retiradas de revistas médicas da época, o filme mostra o acervo da cultura hitlerista apreendido pelos aliados.
Retomando o discurso estético e biológico dos nazistas, os manicômios são apresentados durante o documentário como uma subversão da ordem natural, uma vez que enquanto o "povo alemão" vivia em condições paupérrimas, pessoas doentes, loucos e toda ordem de enfermos viviam cercadas de luxo e beleza que elas nem mesmo seriam capazes de contemplar. Dentro dessa mesma lógica, já no meio do documentário, é apresentado o filme nazista intitulado Vítimas do Passado (1937), onde a intenção é também a de "biologizar" o discurso nazista, que defendia a eugenia através da prática da "eutanásia", termo não adequadamente empregado, uma vez que era realizada sem o consentimento do enfermo ou de sua família. "Na natureza, tudo o que não é adequado perece"; - diz o documentário nazista, induzindo os telespectadores a adotarem a mesma lógica para a sociedade na qual eles viviam, onde os mais aptos deveriam ser recompensados e os menos aptos exterminados.
A prática da eugenia nazista, de acordo com o documentário de Cohen, teria começado com a esterilização de doentes e passado então para morte de crianças com algum tipo de má formação, passando num próximo momento, já no fim daSegunda Guerra, para o extermínio de judeus na chamada “solução final”. Essa prática de matar não apenas judeus "estrangeiros", mas também as próprias crianças e soldados alemães considerados inaptos, vai ao encontro do que afirmaHannah Arendt, para quem o totalitarismo seria uma forma de domínio inovadora, uma vez não se limitaria a destruir as capacidades políticas do ser humano, isolando-o em relação à vida pública, como faziam as velhas tiranias e os velhosdespotismos, mas tenderia a destruir os próprios grupos e instituições que formam o tecido das relações privadas do homem, tornando-o estranho assim ao mundo e privando-o até de seu próprio eu.
A narrativa do documentário é feita por vezes de modo irônico, tratando Adolf Hitler como uma pessoa frustrada, "limitada intelectualmente" e cujos projetos por vezes eram por vezes de "resultados amadorísticos". Logo no início Peter Cohen apresenta Hitler como um arquiteto e pintor frustrado por sua não-admissão na Academia de Artes de Viena, criando uma subseqüente obsessão pela Antiguidade Clássica, Richard Wagner e Linz, sua cidade natal.
FILME ONLINE: https://www.youtube.com/watch?v=IBqGThx2Mas
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Peter_Cohen
Peter Cohen (23 de Março de 1946) é um cineasta sueco, nascido na cidade de Lund, um ano após o término da Segunda Guerra Mundial e cujo pai foi um judeu alemão perseguido pelo regime nazista, tendo fugido de Berlim em 1938. Sua principal obra, um documentário que levou alguns anos para atingir os cinemas alternativos dos Estados Unidos da América e Brasil, narra a apropriação do líder da Alemanha nazista, Adolf Hitler, de um discurso estético para legitimar a perseguição e extermínio dos judeus e de outras minorias na Alemanha da década de 1930, legitimando assim o título adotado para descrever o regime totalitário nazista. No livro de Hannah Arendt intitulado As Origens do Totalitarismo, por sua vez, o terror totalitário hitleriano também serviria para traduzir, na realidade, o mundo fictício da ideologia e confirmá-la, tanto em seu conteúdo quanto em sua lógica “deformada”.
TEXTO CRÍTICO DO FILME: ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO – PETER COHEN (1992)
por Paula Martins Borela, mestranda em Artes pela Universidade Federal de
Uberlândia. Maio/2015. Filme exibido na disciplina de TÓPICOS ESPECIAIS EM
CRIAÇÃO E PRODUÇÃO EM ARTES: INTERFACES ARTES E POLÍTICA. Profa. Beatriz Basile
da Silva Rauscher.
Sobre a
fotografia/direção de arte. Sobre a narração. Sobre as apropriações do diretor.
Sobre o cinema como denúncia e documento.
As imagens
aparecem como uma grande colagem de recortes de outros documentários e
registros reais, que se sobrepõem às pinturas e esculturas apresentadas na
época. Algumas imagens, naturalmente densas e agressivas, nos levam a acreditar
no falso ideal de embelezamento do mundo proposto principalmente quando se
trata das reproduções de outros vídeos exibidos nos cinemas alemães. Entendemos
hoje tais vídeos como argumentos fortes da propaganda política do sistema
ideológico criado por essa corrente de pensamento crua, mórbida e desumana. No
entanto, essa percepção não era desenvolvida naquele momento, devido à falta de
acesso à informação as pessoas foram literalmente enganadas pelos vídeos
produzidos com essa finalidade. Em decorrência dos múltiplos e difusos meios de
comunicação que temos hoje, podemos desvendar com muito mais facilidade os
mistérios/mitos que atormentavam as pessoas em outrora: inconscientes dos fatos
reais eram ludibriadas pelo poder estético nazista. O filme mostra uma
cronologia linear, reforçando ainda mais o uso e apropriação das imagens na
construção de uma lógica arquitetada estrategicamente.
Originalmente
o filme é narrado no idioma alemão, o que confere mais autenticidade nas cenas
organizadas pelo diretor. Vale a pena assistir em outra língua para notar essa
sutil diferença (em inglês por exemplo, como temos acesso na WEB). A narrativa
é seqüencial, direta, descritiva e informativa, por isso talvez seja um pouco
entediante num primeiro contato com a produção audiovisual. Irônica em seus
momentos de pausa. Silenciada talvez pelo arrebatamento do fenômeno estético
nazista, criticando-o, o diretor usa o silencio para situações de profunda
reflexão. O narrador situa-se no tempo dos acontecimentos. Porém o espectador mobiliza-se
no tempo e no espaço partindo de duas esferas que se interpenetram:
passado/presente, local/global. Depois de acionado o dispositivo
crítico-estético para penetração no universo do filme de modo a reviver o
contexto, somos dilacerados na dureza e crueldade do pensamento nazista.
Reposicionamo-nos através do tempo dos fatos relatados bem como localizamos nossos
pontos de vista no tempo real e presente, o que confere a uma leitura cinematográfica crítica certo dinamismo
e atualização na contemporaneidade.
Peter Cohen,
como ninguém, apresenta-nos um quebra-cabeça que remonta a realidade estética extremamente
bem articulada (do ponto de vista político e cultural) dos ideais
protagonizados por Adolf Hitler. Os números citados são expressivos: as obras
bi e tridimensionais adquiridas, compradas nas exposições de arte; projetos
arquitetônicos incrivelmente exagerados e superdimensionados; quantidades
inacreditáveis de pessoas que pretendia reunir em seus comícios, ao mesmo passo
os incontáveis visitantes em espaços culturais pensados para abrigar centenas
de milhares de pessoas; os vários médicos que participaram do extermínio de
pessoas inocentes em massa; as mirabolantes e quantitativas ações de
destruição. Existiu como nunca em um ser desumano, uma carga excessiva de
projeções (ideológicas, estruturais, físicas e mentais) no mal sentido. Talvez
no pior sentido possível, pois feria em ordem, número, gênero e grau os preceitos
de cidadania e de liberdade, e mesmo assim foram colocadas em prática, tendo
repercussões ao longo da história.
Quando nos
deparamos com tamanha e frenética arquitetura de pensamento de Hitler, muito
bem nomeada pelo paradoxo ARQUITETURA (construção) e DESTRUIÇÃO, identificamos
sua preferência e crença pessoal em um “tipo de arte” então aprovada - dos
artistas da Grande Exposição de Arte Alemã em contrapartida com os artistas
reprovados que se mostravam na exposição Arte Degenerada. Vemos na história da
arte bem como nos dias atuais que em todo o circuito de arte duas esferas
básicas de atuação são comandadas por fluxos de aceitação e não aceitação do
público (bloqueio, segundo Ronaldo Brito, crítico de arte contemporâneo): os
circuitos oficiais e paralelos. De certo modo esse fluxo pode ser visto como
saudável, na medida em que abre espaço para as mais divergentes correntes
artísticas. Cada um tem o seu espaço, artistas amadores e profissionais,
reconhecidos e emergentes, os diálogos são interpolarizados. Por outro lado, se
consideramos um desses pólos como bom e o outro como ruim, gerando
aprovação/desaprovação por parte do público em função de um IDEAL
ESTÉTICO-POLÍTICO, estaremos muito próximos do pensamento desenfreado e
patológico de Hitler. Cabe-nos desfrutar da diversidade, ampliando nosso olhar
crítico, aprofundando nossa experiência humana no mundo, seja ele representado,
inventado, copiado, hibridizado. Transportando nossas mentes para outras
possibilidades, novas conexões ideológicas, visuais, estéticas com um único
fim: aglutinação, composição, complementaridade, resumido na VIDA através das
artes, ao invés da sua morte. Cabe aqui considerar então o simples fato de que
uma pessoa pode articular toda uma nação a favor de seus próprios ideais; como
é colocado por Cohen Hitler foi ator, diretor, cenógrafo, figurinista e
protagonista de seu próprio filme.
Transpondo para o campo das artes visuais ele pode ser interpretado como
artista, curador, marchand, público, museólogo e agente de ação educativa de
sua obra, que aqui faço questão de destitular
como artística e nomear como terrorista.
Degenerado foi
na verdade, o pensamento nazista, que defendeu um tipo específico de produção
em artes, estendendo-se a um tipo específico de viver e ser, sobrepondo-se
hierarquicamente a outros, o que sabemos que é uma ilusão e um grande erro no
que se refere à cultura em geral. Isso é conhecido hoje como xenofobia,
preconceito, racismo, ignorância. Compreendemos através de várias correntes de
pensamento crítico em arte ou mesmo recorrendo aos princípios básicos de uma
constituição que garante a liberdade de expressão de cada indivíduo na
sociedade, a imagem híbrida de um panorama cultural diverso, móvel e rico,
justamente pelas suas divergências, tendências, escolas. Considerar como fez
Hitler, um tipo de arte ou um tipo de comportamento superior a outro qualquer, trata-se
no fundo de um enorme desprezo pela informação e pelo conhecimento do OUTRO,
valorizando apenas o conhecimento próprio do EU. Poderíamos ainda traçar uma
crítica ao fenômeno estético nazista introjetado do ponto de vista psicológico,
que se deu pelo egocentrismo do ator principal contaminando as pessoas ao seu
redor e dissipando-se por ondas gasométricas. Do mesmo modo se justificam os
posicionamentos racistas e anti-humanos em outras esferas de discussões acerca
do tema da expressão humana ligadas à arte e à tecnologia, na sociedade. Dispersos
e descompromissados com a linha tênue entre a propaganda política e a arte
(design) podemos nos encontrar em um estado de alienação perante a realidade
fluida e permeável das possibilidades de existência humana na Terra.
Quais são as
propagandas/ fontes de informações atuais que seguem os princípios de uma
ideologia alienante e massacrante da liberdade humana? Conseguiremos nomeá-las
hoje? Precisaremos do distanciamento histórico-temporal para percebê-las?!