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sexta-feira, 9 de junho de 2017

texto crítico da exposição EM CONTATO - galeria Lupa (parte 2 SALA DE CIMA)

Acima: espaço SALA DE CIMA - durante a montagem - alterações foram feitas posteriormente. Layout: Paula Borela e Paulo Rogério.

Na montagem desta exposição, em função da grande quantidade de obras - 80 aproximadamente - pensamos em proporcionar uma zona de respiro e pausa para o público, utilizando bancos para assento em frente algumas obras. As salas do espaço são multifuncionais e na medida do possível distribuímos 3 bancos de madeira pela galeria (2 na garagem e 1 na sala de cima). É comum que nos vernissages a quantidade de visitantes seja maior que nos dias cotidianos da galeria, inclusive isso é um fator que pode gerar desconforto visual na apreciação das obras. Alguns preferem visitar a mostra em outros dias mais calmos e tranquilos, sem o frisson típico de uma abertura. O respiro, o silêncio e a pausa podem fazer parte da experiência estética ao visitar uma exposição e consideramos isso no projeto expográfico.

Colocamos um banco na SALA DE CIMA, voltado especificamente para uma obra de grandes dimensões (Bruno Marcitelli: "Pietà" acervo do artista). De 1499 a 2017 muita coisa mudou na sociedade e além do deslocamento espacial, da Basílica de São Pedro até o bairro Tabajaras em Uberlândia, Bruno nos leva a olhar - e a parar para olhar - para uma nova Pietà, em que Maria e Jesus são negros. A irreverência do trabalho está no fato de que o espectador vê algo novo, diferente do que já viu várias vezes em museus e livros (a escultura original) e acreditamos nessa proposta como recurso da contemporaneidade. Esta pintura participou de um projeto entre amigos em que o artista a levou para compor um cenário, nas margens da rodovia entre Uberlândia e Araguari. A tela foi inacreditavelmente apreendida pela PM e danificada nos transportes, de um lugar a outro, bem como durante seu armazenamento quando não estava na posse do artista. Ao trazer a obra para o espaço expositivo o artista cogitou fazer os devidos reparos, mas ao mesmo tempo optamos por manter os danos, pois faz parte da história da tela. O forte olhar e expressão corporal de Maria chama mais atenção causando mais impacto que o corpo do personagem principal em primeiro plano. A releitura é muito expressiva e evoca questionamentos ancorados na História da Arte, atualizando muito sentidos.

O racismo é trazido à tona, assim como a homofobia e o machismo são temáticas complexas que fazem parte das estratégias de interlocução entre esse artista e seu público. Ao lado da pintura posicionamos uma televisão antiga de 20 polegadas que mostra um vídeo produzido por Marcitelli que é apresentado em DVD player, um anacronismo provocado pela ação curadorial. Um teaser em looping acompanha a pintura que faz referência à escultura em mármore de Michelangelo Buonarotti. Na animação vemos uma foto dos personagens com a iminência da morte: o antes e o depois do tiro no peito. Um réquiem de Mozart foi inserido como trilha sonora de fundo e o tempo entre imagem e não-imagem foi repensado para esta situação da exposição. 

LINK do teaser no formato antes da exposição:
https://www.youtube.com/watch?v=q639qaFikS8

No sentido oposto a esta grande tela temos um conjunto de obras que são diametralmente opostas no sentido de suas dimensões e do esforço que o espectador deve realizar com seu aparato retiniano para observá-las. Dentro de 11 passe-partouts pretos chanfrados, estão os desenhos de um artista que é conhecido majoritariamente por sua produção tridimensional (Tião: "Através da lente dos seus olhos" acervo do artista). Os desenhos que chegam a medir 2x2cm e 2x1cm são croquis que foram produzidos entre 1998 e 2015. Os estudos feitos pelo artista serviram de base para peças em concreto celular, argila, gesso entre outros materiais que já foram executadas tridimensionalmente ou que ainda serão. Trabalhos distintos que foram produzidos ao longo de 17 anos, aqui reunidos ganham notadamente um sentido estético característico de outro Tião em sua criação bidimensional, agora revelada. As formas desenhadas sobre papel que lembram pessoas, animais e suas possibilidades híbridas foram identificadas com subtítulos: “jornada, cerimônia, continente, litoral, pescador, paleta, carícias, pé grande, cerrado, miau, pelicano de fraque, coito, carona, ordenha, ombro amigo, picadeiro, Bahia, sossego, manicômio, Himalaia, vergonha, prece, ancião, espelho, epidemia, saci, futuro, cesta, carteado, sedução.” Optamos por não colocar a faixa amarela de retenção entre obra e público na montagem desta obra, pois o objetivo é que o espectador se aproxime ao máximo para fazer sua leitura.

Acima: fase de montagem das obras de Tião.

Acima: obra reservada na vernissage e vendida posteriormente.

Ao lado esquerdo desse conjunto estão 3 gravuras em metal (Tião: “Hora”, “A espera” e “Bordado” R$200,00 cada – sendo que a última foi vendida) do mesmo artista. A simplicidade do traço que forma a coruja está presente também na paisagem com a árvore seca que abriga um único pássaro, cúmplice de um boi magro que pasta na solidão da paisagem; a mulher que borda parece estar concentrada em sua tarefa minuciosa, semelhante à prática do artista que a retrata.

A animação digital que sai da janela e chega até a parede do quintal da casa através de projeção (Alexis: “Labirinto Visual”), é um nano-videoarte em cores preto, vermelho e branco produzido em 2015 que participou da quarta edição do Festival Brasileiro de Nanometragem de Atibaia/SP em 2016. Originalmente o vídeo tem um áudio que segue as imagens, um som que ressalta a mobilidade mecânica do percurso desse OLHO no ambiente digital simulado. Para a exposição o áudio foi cortado.
Um desenho digital que parece um still do vídeo (Alexis: “Labirinto Visual” R$350,00) mostra um olho vermelho no centro, permeado por círculos preenchidos de outros círculos que em uma espécie de universo paralelo no qual todos estão conectados em um labirinto.

LINK do “Labirinto visual” de Alexis (com áudio):
https://www.youtube.com/watch?v=abYAj6nCblw

Temos 3 máscaras em técnicas mistas que estão no vão da escada (vide layout em próximo post) e ainda na SALA DE CIMA temos uma fotografia com uma máscara feita de LEGO usada pelo artista (Alexis: “Fotos 02 máscara” R$400,00). A máscara foi construída para a execução da foto e moldada nas medidas e formato da cabeça do seu criador. Elaborada com um brinquedo educativo, o material oferece ao espectador dois lados: o aspecto lúdico das peças coloridas moduladas que brincamos na infância e, por outro lado, o incômodo visual causado pela sensação de vestir uma máscara rígida que se fecha sem a possibilidade de ser retirada da cabeça, a não ser que seja desmontada, consequentemente desfeita. O objeto torna-se performático nesse sentido.

B U Z Z é o nome de um artista criado em 2015 que vive no Ciberespaço. “Uma identidade artificial criada para interagir artisticamente nas redes sociais”, diz Marcitelli. Ocupando uma das paredes da mesma sala B U Z Z aparece formando um corner com “Pietà” através de pinturas e manipulações digitais, além de apresentar uma gravura em metal que originou a pesquisa com a temática investigada. Celebridades como Walério Araújo, estilista e designer de moda, Lady Gaga, cantora e artista pop e Vera Holtz, atriz, estão reunidos de forma bem-humorada em um espaço onírico que atualiza uma cena religiosa com Madonna, menino Jesus e anjos (B U Z Z: “SANTA HOLTZ & OS WALÉRIOS” R$350,00). A alegria estampada em suas faces pode ser associada à um pouco de deboche e sarcasmo, que provica dúvida sobre a autenticidade dos personagens. Figuras públicas reaparecem (B U Z Z: “DITADURAGAY” R$350,00) nas cabeças degoladas de Bolsonaro e Neymar – sendo o último ocultado nesta versão presente na galeria – com a presença de amigos reinventados que seguram metralhadoras parecendo escoltar a figura central: Waquilla Correia, ator e diretor no Ocupa Teatro, e Luana Julia, atriz em formação, que expõe a nudez de seu busto e levanta a ideia de outro padrão de beleza feminina, que não a midiática que nos é imposta. Ambos estão no entorno daquele sentado no trono de salto alto, que por sua vez veste um cap militar com uma máscara frontal cadavérica. Não se trata de um autorretrato uma vez que é B U Z Z quem pinta Bruno.

 
Acima: prospecções no atelie do artista.

Entre estes dois adesivos sobre PVC, está uma gravura entrevidros antireflexo com moldura dourada clássica que remete à época da Inquisição, na qual pessoas eram queimadas vivas por serem consideradas hereges pela Igreja Católica. A imagem (B U Z Z: “PRIMEIRA GRANDE QUEIMA DE FUNDAMENTALISTAS RELIGIOSOS” R$450,00) também faz referência à obra do artista espanhol Francisco Goya na sua representação dos horrores da época. 

Acima: gravura antes da moldura, no atelie do artista.